MC Poze do Rodo e a mídia-espetáculo: prisão ou performance pública?
A recente prisão do cantor MC Poze do Rodo trouxe à tona um velho roteiro que se repete quando o assunto é mídia, justiça e artistas negros oriundos das periferias. Em poucas horas, o nome de Poze ocupava os trending topics, vídeos pipocavam nas redes sociais e portais de notícias disputavam cliques com manchetes carregadas de sensacionalismo. Mas, diante da velocidade com que a informação se transforma em espetáculo, cabe uma pergunta: estamos diante de um ato de justiça ou apenas mais um episódio da mídia-espetáculo?
Neste artigo, refletimos sobre como a cobertura da imprensa e das redes sociais em casos como o de MC Poze revela mais sobre os interesses midiáticos — e os preconceitos sociais — do que sobre o próprio artista.
O espetáculo começa antes da sentença
A prisão de MC Poze foi noticiada com uma rapidez impressionante, mas com pouca profundidade. Trechos de vídeos gravados por fãs viralizaram antes mesmo da confirmação oficial dos motivos da prisão. Em poucos minutos, já circulavam especulações, julgamentos e piadas. Esse é um padrão cada vez mais comum: a mídia transforma episódios policiais em entretenimento de fácil digestão.
Essa lógica prioriza a audiência e os cliques, mesmo que às custas da reputação e da presunção de inocência. A urgência da notícia acaba atropelando a responsabilidade jornalística, e o resultado é uma cobertura rasa, que reforça preconceitos em vez de esclarecer fatos.
Quem a mídia escolhe expor?
Casos semelhantes envolvendo artistas brancos ou de classes mais altas costumam ser tratados com mais cautela e até condescendência. Termos como “polêmica” ou “mal-entendido” são frequentemente usados, e os nomes dos envolvidos nem sempre aparecem em destaque. Já quando se trata de um artista negro, jovem e oriundo da favela, a narrativa muda: a suspeita vira sentença, e a imagem do “criminoso” é construída rapidamente, mesmo antes de qualquer julgamento oficial.
Essa diferença no tratamento midiático é um reflexo direto do racismo estrutural. A cobertura desigual naturaliza a criminalização de certos corpos, enquanto suaviza ou invisibiliza os erros de outros.
Entre o funk e a favela: quando a cultura é criminalizada
O caso de MC Poze também escancara como o funk ainda é visto com preconceito por grande parte da sociedade e da imprensa. Apesar de ser uma das expressões culturais mais potentes e populares do Brasil, o funk é frequentemente associado à criminalidade, ao “mau exemplo” e à ostentação vulgar.
Muitos artistas do gênero enfrentam olhares tortos não apenas por suas letras, mas por suas origens e formas de viver. Quando um funkeiro é preso, a narrativa não é apenas policial — ela carrega um subtexto moralista: “ele não deveria ter saído de onde veio”. Essa lógica desconsidera completamente os contextos de superação, trabalho árduo e resistência cultural que existem por trás de trajetórias como a de MC Poze.
Qual o papel do público nisso tudo?
Não dá para isentar o público da responsabilidade nesse processo. Compartilhar vídeos sensacionalistas, espalhar fake news, comentar com base em boatos: tudo isso alimenta a máquina da desinformação e da espetacularização. O engajamento impulsiona os algoritmos e influencia diretamente o que será priorizado pelos portais e pelas redes.
É urgente formar um público mais crítico, capaz de questionar as narrativas prontas, exigir fontes confiáveis e recusar a lógica de que tudo é entretenimento — inclusive a dor e a liberdade dos outros.
Conclusão: precisamos de um jornalismo que respeite a complexidade
A prisão de MC Poze do Rodo é, sim, um fato jurídico que deve ser tratado com seriedade e responsabilidade. Mas a forma como ela foi transformada em espetáculo pela mídia revela muito sobre as engrenagens que alimentam a seletividade penal e o preconceito midiático.
Não se trata de defender ou condenar o artista, mas de denunciar o desequilíbrio de narrativas. Por que determinados corpos são sempre os primeiros a serem expostos, julgados e ridicularizados? E por que a mídia insiste em repetir esse roteiro?
Enquanto não repensarmos essa lógica — e a forma como a consumimos — seguiremos mais interessados na performance pública da queda do que na busca pela verdade.
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